Armas - Escudo de negro, torre de prata aberta de azul, carregada com cruzes da Ordem dos Templários e da Ordem de Cristo, entre dois pés de milho, frutados e folhados de ouro; em ponta, três tiras de prata e azul. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco, com a legenda a negro: “ VALHELHAS “.
1708
in Corografia Portuguesa
1758 - MEMÓRIAS PAROQUIAIS
1882 - PORTUGAL. ANTIGO E MODERNO
Vílla
Beira Baixa,
Bispado, districto administrativo, concelho, comarca, e 18 kilometros da Guarda (foi cabeça do concelho do seu nome, com 1:200 fogos, supprimido em 1836)
310 kilometros ao E. de Lisboa.
150 fogos.
Em 1768, tinha 65.
Orago, Santa Maria Maior.
O padroado real apresentava o prior, que tinha 90$000 réis de rendimento annual.
Valhêlha, no portuguez antigo, significava pequeno valle — depois, se corrompeu em Valhêlhas.
Teve um mosteiro de frades franciscanos, fundado em 1680, por D. Rodrigo de Castro, senhor de Valhelhas, e seu neto e herdeiro, D. Diogo de Castro, com frades que vieram da cidade da Guarda. Chegou a ter 25 frades, no princípio do século XVIII.
Na sua egreja se venerava a imagem do Bom Jesus, que um pastor achou em uma lapa da serra. Esta imagem foi removida para a egreja matriz, e ainda se festeja alli, na dominga da S.5. Trindade, havendo então uma boa feira e concorridissima romaria.
Do mosteiro, ainda hoje (1882) existe uma grande parte: fica a 4 kilometros da villa, na estrada que vae para Famalicão. Chama- se Mosteiro do Bom Jesus de Valhêlhas. A egreja conserva-se em bom estado tado, e faz-se alli uma festa no dia de S. Miguel.
A villa, está na margem esquerda do Zêzere, em sitio fundo, e quasi ao nivel do rio, entre altas ribanceiras que pendem quasi a prumo, dos contrafortes da Serra da Estrella sobre o rio ; mas o povoado está em um pequeno valle (d'onde lhe provém o nome) e que é uma espécie de insua, rodeado de bellos campos com agradável perspectiva.
A villa é de humilde apparencia, e revela ter decahido bastante da sua primitliva prosperidade; mas é provável que o caminho de ferro da Beira, que lhe passa a poucos kilometros de distancia, lhe dê uma nova vida.
Pelo centro da villa, passa a velha estrada de Manteigas para a Guarda.
Os seus mais notáveis ediflcios, são a egreja matriz, no centro da povoação, e as ruinas do seu antigo Castello.
O pelourinho é formado por uma columna de granito, oitavada, e com seus ornatos na cúpula. Foi feito em 1555, data que n'elle está gravada.
A egreja, é um templo regular, muito antigo, bastante pobre e maltratado. Tem altar- mór, e dous lateraes no corpo da egreja, todos de velha e desgraciosa talha dourada. Tem um púlpito de granito, com ornatos em relevo, bastante toscos, e serapintados com cores vivas, que os tornam ainda mais toscos. E'muito baixo, e assenta em uma columneta de pedra, em uma das faces tem esta inscripção — ANNO DOMINl ERECTUM 1674.
Na rectaguarda da capella-mór, se ergue um antiquíssimo campanário, para o qual se sobe, pelo lado do rio, por toscos degraus de pedra: tudo esburacado, em ruinas, e coberto de musgo. As pedras oscillam, quando dobram os sinos, mas são tão grossas, e bem travadas, que ainda não cahiram. Tem dous sinos, um com a data de 1778 — outro com a de 1797 —um relógio — e na verga da pequena casa onde está a fabrica d'elle, a data de 1789. No angulo do N., d'este campanário, estão as armas dos Castros, bastardos (os das seis arnellas) e o mesmo brazão está no cimo do retabulo do altar-mor, da egreja matriz; o que prova que estes Castros possuiam no século XVII, o senhorio de Valhelhas, e a alcaidaria-mór do seu eastello.
Sobre a porta lateral da egreja, do lado do sul, está gravada uma inseripção latina que diz — MENSE MARCH MILÉSIMO DUCENTESIMO HAEC ECCLESIA FUIT SACRATA. (Esta egreja, foi sagrada, no mez de março de 1200.) Esta data, deve ser do anno do Nascimento de Jesus Christo ; e não da era de Cesar, que então correspondia ao anno de 1162, época em que esta terra estava despovoada.
A nova estrada districtal, a Mac-Adam, da Guarda a Manteigas, por Valhêlhas, na parte já construída, afastou-se, em algumas partes, do leito da antiga, que tinha declives de 20 a 30 % — e a nova apenas os tem de 5%.
As freguezias confinantes, são —na margem esquerda do Zêzere — Santeiro, a 15 kilometros — Val da Amoreira, a 8 — Famalicão, a 6 — Gonçalo, a 7 —e na margem direita do rio — Verdêlhos, a 7 —Sargédo, a 7 —e Aldeia do Matto, a cinco.
Segundo a tradição, em tempos remotos, existiu um mosteiro de frades benedictinos (ou agostinianos) a 0. da villa, no sitio das Vinhas. E' certo que alli se encontram claros vestígios de uma antiga construcção, como tijollos, pedras apparelhadas, e outros objectos. Outros dizem que nas Vinhas é que os templários tinham a sua casa de residência, e que os vestígios que alli apparecem, são restos da tal casa. Parece-me mais provável que esta casa fosse a que Manoel Pinto Pereira reconstruiu em 1693, como vimos atraz.
Ha n'esta freguezia as seguintes ermidas: 1ª— São Sebastião, construída em 1577, e hoje tão arruinada, que a imagem do padroeiro foi removida para a matriz. 2ª—Corpo Santo, que dizem ter sido a Capella da Misericórdia (cujo hospital ha muitos annos não existe, nem d'elle ha o mínimo vestígio.) No altar-mór, que é elegante, está uma imagem muito antiga e tosca, de Jesus Christo, semelhante a uma de Santa Maria Maior (padroeira da freguezia) que está na matriz, e parecem ambas, obra do mesmo artista. Na capella mór d'este velho templo, se lê esta inscripção — PER ME BEGES REGNANT. Esta ermida teve magníficos paramentos, e alfaias de grande valor, do que só resta uma cazulla de velludo vermelho, bordado a matiz, dadíva de uma das condessas de Castello-Melhor. Teve um Sacrário de pedra, de excellente esculptura, que foi destruído pelas hordas ferozes de Bonaparte, durante a guerra peninsular. 3ª— Bom Jesus, que foi egreja do mosteiro, como já se disse. 4ª— São Miguel Archanjo. 5ª— S. Pedro apostolo. 6ª — Santa Margarida. Ambas estas ermidas, estão desmantelladas, e as suas imagens foram removidas para a egreja matriz.
Perto da egreja ha uma casa de pouca apparencia, mas denotando ter pertencido a uma família diístincta. E' brazonada, e sobre o escudo se lê esta inscripção — MANUEL PINTO PEREIRA, FILIJO DO SARGENTO MAOR MEL. DA CA. BORGES. MANDADA FAZER ESTA OBRA 1693 AS. Isto, na face do edificio que olha para o sul, e que tem uma janella com lavores esquisitos e a data de 1335 — do outro lado se vê em uma pedra, já muito carcomida pelo tempo, a data de 1337. Quer-me parecer que este edificio foi a casa de residência dos templários, e que as datas de 1335 e 1337, são da da era de Cesar, correspondentes aos annos 1297 e 1299. de Jesus Christo. Depois — em 1693 — o tal Manoel Pinto Pereira, reconstruiu a antiga casa, como se vê da inscripção.
O velho Castello estava no tope de uma collina sobranceira e contigua á povoação. Foi demolido, empregando-se os seus materiaes em outras construcções, e hoje apenas resta, para memoria, um resto da torre de menagem, de uns 15 metros de altura; mas a face, do lado do rio, já desabou. Consta ser obra dos templários. Ainda pelos annos de 1750, havia em volta da torre da menagem uma cinta de muralhas, e dentro d'ellas algumas casas, que tudo foi destruído pelo terremoto do 1º de novembro d'esse ano. O que resta a este venerando monumento, está litteralmente revestido de uma esteira, ou tapete de formosas heras : a não ser esta planta, já nada existiria de pé.
Nos princípios do século XVIII, eram senhores d'esta Villa os condes de Castello-Melhor.
Teve Misericórdia e hospital, que já não existe.
Emquanto a villa foi sede de concelho, tinha juiz ordinário, vereadores, escrivão da camara, procuradores do concelho, juiz dos orphãos e seu escrivão e dous escrivães do judicial e notas. O seu termo comprehendia, além de VaIhelhas, cinco freguesias — Famalicão, Gonçalo, Val de Moreira (ou da Amoreira) que, como a villa, começaram a formar parte do concelho e comarca da Guarda — Sarzêdo, que passou para a comarca e concelho da Covilhan — e Sameiro, que passou para o concelho de Manteigas comarca de Gouveia.
A freguezia de Sameiro, pertencia á ordem de Malta; todas as mais, foram dos templários, e vieram (1319) a constituir uma commenda da ordem de Christo.
Junto á villa, ha, sobre o Zêzere, uma ponte, de pedra, de quatro arcos.
O povoado está na margem esquerda do Zêzere, na confluência da ribeira de Famalicão, que desce da serra, e passa junto da aldeia que lhe dá o nome.
Não ha actualmente n'esta villa, um único sacerdote, além do Velho parocho, que não é d'aqui natural. Nasceu em Valhelhas, o sr. José Augusto Soares Ribeiro de Castro, bacharel formado em direito, e distincto advogado nos auditórios da Guarda.
Foi aqui construída em 1866, uma fabrica de papel, da qual era motor a agua do Zêzere. Não trabalha actualmente.
As principaes producções agrícolas d'esta freguezia, são — milho, feijão, batatas, castanhas, vinho, azeite, fructas, centeio e legumes.
O Zêzere a fornece de óptimo peixe, e é abundante em gado, principalmente miúdo, e caça de toda a qualidade.
Esta villa soffreu muito, durante a guerra peninsular, pois que os francezes roubaram da egreja matriz e da capella do Corpo Santo, uma custodia d'ouro — dous cálices, um de ouro e outro de prata — vários paramentos, bordados, uns a ouro e outros a matiz, é tudo o mais que lhes fez conta. Também saquearam as casas de vários habitantes da villa, na qual praticaram toda a casta de barbaridades como tinham de costume estas hordas de trucullentos salteadores e assassinos, que o inferno vomitou sobre a Península hispânica, para castigo dos nossos peccados